
Neste primeiro podcast iremos ao começo da Era do Rádio. Em1933, o locutor César Ladeira descreve sua primeira experiência ao microfone:
“Falei. Li uns anúncios, conversei fiado, dirigindo-me aos ouvintes perguntando-lhes o que achavam da voz do speaker novato”.
Speaker é o locutor que usa o microfone para ser ouvido no alto-falante, em inglês speakers. Dizia Carmen Miranda ao Carioca em 1936:
“Logo que me iniciei ao microfone eu não obtinha lucro além do prazer de cantar e ser ouvida”.
Cantar, falar e ser ouvido – o objetivo do circuito de comunicação da eletricidade, que se dá entre o microfone e o alto-falante. O circuito fez a notoriedade das vozes de Carmen e de César, que ficaram gravadas em discos elétricos.
A analogia entre ondas sonoras e energia elétrica permitiu modular a relação entre o som dos tambores e o das vozes.
(Para ouvir o grave do som dos tambores, por favor, coloque seus fones de ouvido.)
A gravação de pontos de macumba por Mano Elói em 1930 chamou a atenção de Mário de Andrade por questões musicais, mas atrai nossa atenção a seguinte declaração do seu ouvido de pesquisador.
É possível que num disco mal gravado e com maus cantores esta peça não pareça bonita no sentido e-lucevan-lestell da boniteza musical, mas este Ponto de Ogum* é realmente um documento precioso, uma obra-prima como originalidade, caráter afro-brasileiro e ainda como protótipo de música de magia.
Do ponto de vista da técnica de gravação, retirados os ruídos parasitários do disco de 78 rotações, o Ponto de Ogum gravado por Mano Elói é primorosamente bem misturado quanto à energia dos tambores, o som das palmas, a distância das vozes do coro e do solista. Só o recurso aural e a experiência com a sonoridade dos tambores nos permitem reconstituir a cena em estúdio de Mano Elói gravando esta peça única. Mano Elói próximo ao microfone dando a benção de abertura, seguido da resposta dos demais. Percebam como a mistura é equilibrada. A voz de mano Elói com seu timbre. A resposta do coro e do tambor com outro timbre.
Tudo leva a crer que houve uma mistura do som de pelo menos dois microfones na gravação. Nas transmissões radiofônicas já eram utilizados mais de um microfone, em fins da década de 1930, mas não existem dados para delimitar com precisão quando e quais estúdios de gravação de discos brasileiros utilizavam a mixagem simultânea de vários microfones.
Se o recurso de limpeza e compressão sonora nos permite ouvir detalhes da mistura de sons de tambores, palmas e vozes, Mário de Andrade nos apresenta uma outra perspectiva histórica da recepção do som desta peça. Fala em disco mal gravado com maus cantores e estabelece como termo de comparação uma ária da Tosca de Puccini, provavelmente na voz de Enrico Caruso.
Ou seja, Mário não “curte” o som de Mano Elói. Enaltece a composição, como expressão legítima de uma cultura, seu caráter afro-brasileiro, mas não acha bonito, ou admite que para o público ao qual escreve não “pareça bonito”. Será interessante comparar a evolução desse som, que não agradou ao Mário, ou não agradaria aos seus leitores, e encontrar outras manifestações aurais gravadas naquele momento histórico que “civilizaram” este som “bárbaro” do batuque.
O desenvolvimento técnico levará o Som dos Tambores a ganhar destaque na fonografia nacional como expressão, não só de beleza, mas também de virtuosismo musical.
O fato fonográfico é que a gravação de Mano Elói em nada lembra tecnicamente o som dos registros folclóricos, com os quais também podemos estabelecer comparações. Como a umbanda gravada no Rio de Janeiro por Edison Carneiro em 1962. Nem sequer se repete como mistura técnica sonora em gravações subsequentes, do mesmo Ponto de Ogum com a participação de Getúlio Marinho, o “Amor”, Conjunto Africano, gravado em 1937.
Ou seja, o Ponto de Ogum gravado por Mano Elói é singular. Que tipo de sintonia teriam alcançado técnicos e artistas nesta ocasião? Só podemos especular.
